Infração a regras da denominação não é pecado por si só: Regras x usos e costumes x doutrinas

Qualquer igreja, como instituição ou denominação religiosa, segue pelo menos quatro linhas de regras e princípios que são naturalmente necessárias para seu funcionamento e existência. Não há problema nenhum nisso, mas devem ser ensinadas de maneira adequada para não acabar gerando confusões que podem interferir na caminhada das pessoas ou até mesmo nas razões principais porque a igreja existe.

Vejamos de forma separada:

1 – Princípios doutrinários: Estes princípios dizem respeito à essência de ser igreja, são as doutrinas que a igreja crê, defende e segue. São os princípios imutáveis e fundamentos da existência e do credo da igreja, aquilo que realmente ela acredita e se dispõe a defender de forma inegociável, refere-se principalmente ao relacionamento com Deus, princípios de fé e crença, obediência, submissão a Deus, conduta cristã, enfim, são as regras de fé e de sua prática que a igreja se fundamenta.

Doutrinas são imutáveis ao longo do tempo e uma de suas características fundamentais é que são princípios tão consolidadas no meio do povo que sequer alguém ousa contesta-los ou discuti-los. São inegociáveis e inflexíveis tanto no passado quanto no presente e serão no futuro, não sofrem influência do tempo nem de local, a obediência a eles é requisito indispensável para a salvação do homem. Outra característica importante é que as doutrinas bíblicas fundamentais são coincidentes em sua grande maioria entre as principais igrejas cristãs que são sérias, bíblicas e maduras.

2 – Regimento ou estatuto da Instituição: São regras que dizem respeito ao funcionamento, a gestão, o relacionamento e convivência da instituição religiosa com as pessoas e a sociedade em que que está inserida. A igreja, como outras instituições que congregam pessoas, necessita de um regimento que regule, organize e normatize sua forma de convivência interna de forma pacífica e organizada. Estas regras não dizem respeito a salvação e sim a aderência aos princípios da instituição, elas, devidamente ajustadas, são usadas da mesma forma em clubes, condomínios, entidades e até empresas.

Este ponto é o nascedouro de muitas confusões nas igrejas e mal-entendidos entre as pessoas que geram desgastes enormes, pois uma instituição pode elaborar seus estatutos da forma que quiser, são regras que se tem total liberdade de se criar e alterar conforme as condições que ela mesma estabelece. O estatuto é como se fosse uma constituição para a instituição.

Foi por meio de regras estatutárias que surgiram por exemplo em algumas igrejas as proibições dos fiéis terem ou assistir televisão, rádios, muitas vezes a forma de se vestir, etc. Isso é errado? Não, a igreja como qualquer instituição tem liberdade para fazer seus estatutos aprovar como assim entender, cabe as pessoas que a frequentam decidirem se isto lhes é conveniente ou não. O que não lhe cabe é transformar uma infração ao seu estatuto da instituição em pecado contra Deus.

Quem infringe as regras de regulamentos de uma igreja está sujeito às penalidades estatutárias, inclusive é aí que devem estar as regras para alguém ser incluído, recebido ou mesmo excluído da denominação, das atividades, da mesma forma que um clube exclui um sócio, um condomínio pode atribuir multas, por exemplo para quem não obedecer a suas regras.

É muito importante entender que esse tipo de penalidade ou até exclusão pode não significar necessariamente que o motivo disso seja um pecado contra Deus. Uma infração às regras regulamentares da denominação não é por si só, um pecado contra Deus. Quando isso acontece, já aparece a argumentação da desobediência, de desligar na terra desliga no céu, etc. Isso na grande maioria das vezes é uma forma inconsciente de pressão que muito se usou com pessoas menos esclarecidas, mas hoje felizmente a maioria já sabe exatamente o alcance e o enquadramento bíblico de cada uma dessas argumentações.

O correto é sempre ter a humildade de pedir perdão em qualquer hipótese de se infringir qualquer regra, mas  vale a pena estar claro a todos que o rol de membros de uma denominação não coincide exatamente com o Livro da vida, onde homens não tem o poder de incluir ou excluir pessoas, ou pior, anular o sacrifício de Cristo, ou sobrepor a doutrina do perdão e assim decretar, por um ato humano, a perda de salvação por desligar alguém de uma instituição religiosa aqui na terra. É importante frisar que o tema aqui está tratando de infração ao estatuto e regulamento da igreja e não das doutrinas bíblicas fundamentais.

Os estatutos de uma denominação podem e devem evoluir ao longo do tempo, sofrer alterações e atualizações desde que obedeçam às regras nele estabelecidas para isso.

3 – Usos e costumes locais e da igreja: São regras que dizem respeito ao modo de vida das pessoas que a igreja adota e defende para seus membros, seu relacionamento, bom testemunho social, cuidados com a decência, testemunho público, etc. São estas regras que fazem com que a igreja seja adaptável ao meio em que está inserida, de forma que o cristão seja uma pessoa que vive dentro das regras aceitáveis na sociedade, mas com princípios de vida e atitudes diferentes que o devem posicionar com distinção e bom exemplo.

Este é o ponto de maior confusão para entendimento das pessoas, principalmente as mais simples, que usos e costumes viram doutrina, tipo de roupa viram pecado contra Deus, e justamente isso é causa de muitas pessoas estarem feridas pelas instituições por puro desconhecimento, mesmo de seus líderes que em sua simplicidade e rigor insistem em impor regras de costumes do século passado para os dias atuais.

O mais grave de tudo isso é que esse tipo de regra não está escrito nem formalizado em local algum, assim , cada pessoa interpreta a sua forma, dá o enquadramento bíblico conforme seu entendimento e na atualidade serve mais para gerar controvérsia que para o objetivo que seria necessário: A convivência, o testemunho exemplar e a aderência do Cristão dentro da sociedade em que vive.

4 – Regras tácitas geradas pela prática contínua: Estas são aquelas regras criadas ao longo do tempo que também não estão escritas nem formalizadas, mas são praticadas e até petrificadas no conceito das pessoas, como se assim fossem. Práticas como essas ficam impregnadas na convicção das pessoas pelo longo tempo de prática e que muitas vezes adquirem o status equivalentes a uma doutrina e assim parecem ser requisitos para salvação, o que resulta em prejuízo da livre prática da fé das pessoas.

Estas regras surgem e se perpetuam pelas diferentes visões e interpretações bíblicas que cada líder pode ter e cada um vai deixando um legado em regras novas que se somam ao seu antecessor e se acumulam ao longo do tempo.

Outro fator que essas regras se perpetuam é pela dificuldade de evolução de práticas e mudanças em uma igreja. Isso é natural em uma instituição religiosa que pelo zelo excessivo de pessoas que muito bem-intencionadas, perpetuaram essas práticas e entendimentos e transformaram isso exigências e consequentemente em um fardo para todos, que torna-se mais pesado e até insuportável para quem já está em outra fase de conhecimento bíblico e relacionamento com Deus e muitas vezes deixam a instituição. É por portas como estas que o tradicionalismo entra, se perpetua e impera nas igrejas.

Concluindo: Os maiores defensores do tradicionalismo nas igrejas são pessoas que confundem ou não dominam o conhecimento e a separação dessas regras. Tudo isso em uma mistura sem cuidado e apimentado pela interpretação simplista  e tendenciosa da bíblia, formam uma solidez de conceitos confusos e muitas vezes errados, que são defendidos com veemência em púlpitos e reuniões, e assim, o que seria algo que poderia contribuir para melhor convivência do cristão na sociedade, resulta no contrário, porque torna-se um gerador de confusões, conflitos e assim sendo, é extremamente maléfico para a igreja ao longo do tempo.

O Bom ensino e a transparência dessas regras criam facilidades para o funcionamento da instituição, zelo pela doutrina e leveza para a propagação e vida segundo o evangelho.

A mistura e a ignorância resultam fatalmente no rebaixamento das doutrinas fundamentais a um nível de regra humana e elevam regras humanas ao status de doutrina.

As mentes mais esclarecidas conseguem discernir essas coisas com mais facilidade, enquanto as pessoas mais simples podem viver escravizadas e com fardos insuportáveis em sua caminhada. É muito importante isso ser sempre esclarecido e desenvolver o discernimento entre todos porque se essa se isso não for devidamente cuidado, fatalmente as pessoas que não conseguem ver sentido nessa mistura, acabam se afastando da igreja ou indo para outra denominação onde isso já é tratado de maneira mais clara e madura.

Pr. Eroni Fernandes

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